tudo será arrumado um dia.
os segredos serão organizados nas indeléveis palavras.
as aves de outrora existirão nas folhas paginadas,
na pele e nos planaltos.
as aves, os pombos, as cegonhas, planarão
dentro da terra e da cinza dos arquivos.
o pó será organizado um dia.
cada homem será uma chama nas estantes das bibliotecas.
os olhares, os gestos, o que não soubemos explicar, as mãos,
serão fumo por ordem alfabética.
um dia, depois de mim,
estes versos serão ossos
mudos e incompreensíveis.
as flores sufocarão no ar que respirei.
as árvores crescer-me-ão do peito.
e quando as paredes mortas, o céu,
forem só esta mesa onde escrevo,
serei o lugar vago de mim e os meus passos
a subir, a descer, uma escada plúmbea.
e quando a noite, acordarão as sombras
na sua ordem perfeita
e incandescente.
*José Luís Peixoto – A Criança em Ruínas, Quasi
p.29 – tudo será arrumado um dia
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